quinta-feira, 16 de julho de 2009

O começo - (Continuação)

Como se a rua não fosse amanhecer, o dia clareou.
E quando enfim pude sair daquele hospital sujo e afastado de tudo que gostava e estava acostumado a ver, passei por uma rua onde parecia me instigar. Naquele súbito momento em que parei para amarrar meu cadarço, notei a cidade parada. Não que tivesse perdido seus movimentos. As coisas permaneciam em ordem, pessoas, carros. Mas não o barulho. Isso era o que me impressionava. Foram os 15 segundos onde não escutei sequer um grito do silêncio. Parou...
Aconteceu a mesma coisa quando retornei a caminhar. Só que inverso. As pessoas continuaram a falar, os carros a buzinar e as pouquíssimas fábricas de Wall a batucar.
Esse mesmo percurso se deu "replay" todas as vezes em que saía de lá. Continuemos a conversar, conto esse pequeno detalho em outra ocasião.
Assim, a noite chegou e eu mais uma vez assim como todos os dias e noites anteriores, voltei para seu lado. Olhei-a dormir fixamente, interrogando-a, focalizando-a, até deitar-me junto a ela.
Nossa conversa tomou um rumo mais extenso desta vez.
- Quanta coragem! Por que você ainda está aqui? - Fiz a primeira das várias perguntas naquela noite. E ela respondeu, ainda que desacordada: - "Eu serei a sua estrela quando anoitecer e seu sol quando o céu resolver chover. Eu estarei no fim da rua para te apanhar quando você se cansar e finalmente, eu serei o brilho do teu caminho e pegarei em sua mão quando seus sentidos já não me responderem mais. Em qualquer lugar, em qualquer momento... Olhe para as estrelas, ainda que o dia insista em permanecer, será impossível, será impossível e impossível eu não estar lá.
Se nesse momento você não entendeu, vou lhe explicar um pouco mais ou melhor ainda dizendo: vou lhe escrever melhor.
Não tenha medo de acreditar em alguém, se esse alguém acreditar em você. Por que razões a vida seria tão "falsa"? Não se engane meu caro expelectador.
Dezembro - 1998 - 10 de Janeiro. Estou a cerca de 7 meses nos mesmo horários e no mesmo lugar. Porquê? Não sei bem ao certo. Me faço essa pergunta todos os dias e te garanto que se por algum motivo soubesse a resposta, correria à pé daqui ao paraíso.
Minha mãe era uma mulher respeitada eu diria, todos sabiam sua profissão e nunca ninguém fez "piadinhas" ou "zombou" da minha cara. Mais quando ela se foi, levou junto um pedaço de mim. Acredito que é esse mesmo pedaço que trouxe comigo de Betine e é por isso que ela tanto me procura e "me acha" ela sabe que junto a mim existe algo dela. Essa parte de nós está tão ligada a mim, que nunca se desligará. Nossas almas permanecerão conectadas. Passarão décadas e seremos sempre assim, como deve ser.
Ainda posso me lembrar do verão passado (o último onde ficamos juntos de verdade). Nossas iniciais escritas em uma árvore não muito longe diziam "B e A" - Betine e Antony. Naquele dia ela nos presenteou com dois pingentes em formato de corações, com os dizeres: B e A. Eu pude sentir o seu melhor beijo e seu melhor toque. Parecia que ela adivinharia o que estava por vir.
Me perdi no tempo.
Já não sei se me conheço mais ou quem sou eu. Só sei que devo estar aqui todos os dias, pois é a única salvação de minha alma antes que ela seja levada embora daqui. Tenho certeza que logo iremos acordar desse sonho e tudo voltará ao normal. Não me importa o quanto demore, posso enxergar daqui os raios de sol.
- Estamos aqui! - Sorria enquanto dizia Dona Elisabeth Shildreem.
- Me parece que quanto mais o tempo passa, mais ela vira menina. - Concordou o Senhor Juan Shildreem.
- Não sei por que ainda não começamos a procurar. Temos que ajudá-lá. Ela não vai voltar dessa maneira. - Terminou ele.
Em mais um fim de tarde em frente a lareira, os dois ligavam fatos que poderiam ajudar nessa caçada. Depois de tanto insistir, de tanto procurar, encontraram uma pista que além de ser fatal, poderia ser surreal e sobrenatural.
- Amanhã vamos voltar a nossa antiga casa, tudo certo? - E Elisabeth só fez que sim com a cabeça.

terça-feira, 5 de maio de 2009

O começo - Conto de Farsas.

Enfim chegaram os passos do inverno em Veika. Se ainda não mencionei antes "Veika" era um bairro localizado perto de Wall. E é finalmente lá que a história começa.
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As estrelas naquela noite pareciam ofuscar contra os olhos da loira com mochila amarela. Caminhando pelas ruas do bairro deserto, se despedindo na escuridão da maré, Betine recebe seu aviso. Ela sabia que, mais cedo ou mais tarde as estrelas iriam entrar contato. Dessa vez foi diferente... Perceberá que minha volta só se tornaria possível com sua ajuda. Por isso e só por isso decidiu seguir caminho a frente.
- Eu preciso de você - a voz dizia baixinho. - Preciso de você para continuar.
Descalça sobre as areias secas da praia, parecia notar a presença do céu sobre si. Era incrível como um lugar tão lotado e extenso no verão, fosse se tornar tão vago e pequeno naquela época.
A cada passo que progredia, seu corpo ia adormecendo, adormecendo. A voz ficava mais próxima, mais nítida. Quando retornou ao seu estado físico real, já se encontrava deitada e desacordada pelos pastos (ou seria mesmo um matagal?) de uma cidadezinha antiga.
Não se passou muito tempo até levarem-a ao hospital já citado. Mais as dúvidas persistiram e eu já tinha me camuflado no combate interior de Betine.
O segundo erro foi se perder naquele local. Podia se deixar cair em qualquer lugar, menos lá.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Como tudo começou (continuação).

Os avós de Bêrnardo pertenciam a classe dos casais mais atrasados da cidade. Não por morarem afastados do resto da cidade. Bêrnardo gostava disso. Ele era um dos únicos que descobriu a existência das fadas. Não criem a imagem de que "conto de farsas" relata a história sombria de algo incomum e triste. Assim como qualquer outro lugar, Wall não era tão macabra quanto parecia. Quer dizer, só algumas vezes. E isso já é outra história.
Ao chegar de mais uma noite exaustiva da faculdade que cursava em Jobrei, era de se perceber o mal humor de dona Bechinay. E não tinha jeito, a coisa que mais lhe irritava no mundo era sua avó. Não parava por aí. A velha tinha um poder tão grande de transformar pequenas coisas em grandes acidentes, que até mesmo o pobre cachorro ficava agoniado.